sexta-feira, 26 de junho de 2009

...sentias uma feroz necessidade de sentir medo, e pela casa atravessada de ecos, de lumes, respiravas.Respiravas o ar insalubre do próximo porto.


Permanecemos aqui, neste quarto, onde a escuridão é eterna claridade.
Fora deste quarto nunca viste o mar.
Mas tudo isto se passou noutro tempo, noutro lugar. E a tua boca deixava na minha um travo de asas salgadas...
Breves nuvens. O entardecer sobre o corpo estendido na erva fresca do sonho. Abrias nas pedras fulvas da praia um sítio para esconder a paixão.
Cansei-me de te sonhar. Cansei-me do sangue e da chuva, da memória dessas rotas difíceis.
Donde te escrevo apenas uma parte de mim ainda não partiu.
Encosto a alma à quilha do navio. Deixo-me ir no vaivém das marés, e da fala.

Nenhum de nós sabia se o sonho, ou a morte, nos conduziria a algum porto de felicidade.

Quando te digo que vou de novo partir, perguntas-me: morre-se porquê?

Caminhamos em direcções opostas. caminhamos sem destino pela cidade.
A febre aniquila-nos.
Existem Índias por descobrir, no segredo da noite dos nossos desastres.
Caminhamos neste espaço de penumbras e de incertezas - onde a fala já não cintila e as palavras são de cinza.
...
Um barco tremeluz nas cortinas do quarto.
O horizonte é negro. A luz do dia extinguiu-se subitamente.
As mãos com que te toco, luminoso afogado, não são verdadeiras nem reais - porque o tempo todo talvez esteja onde existimos. Embora saibamos que nesse lugar nunca houve tempo nenhum.


Al Berto